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itamar
a saga de um artista inquieto
Comentando o documentário sobre Itamar Assumpção
Foi surpresa boa, aquela. Mal havíamos acabado de levar nossas malas para o quarto, chegando de uma viagem de cerca de quatorze horas entre Frankfurt e Rio de Janeiro, e foi só eu me sentar na poltrona da casa de meu amigo Guhan, onde nos hospedamos, no Jardim Botânico, para tomar um café e um susto. Ao olhar um tijolinho no jornal, estava lá: Arteplex, Botafogo, 18 horas, »Daquele Instante em Diante«.
Sim, era mesmo verdade aquilo que eu lera no Facebook na véspera do nosso embarque. O documentário estava não só pronto, como entraria em cartaz no Rio logo na primeira semana de julho.
A notícia chegou através de Luiz Chagas, um amigo do peito que mal conheço pessoalmente, mas com o qual tenho a maior afinidade por sermos ambos jornalistas de música e militarmos na causa de um certo Nego Dito. Ele, Luiz, como ilustre guitarrista da antológica banda Isca de Polícia, eu como carioca que trabalha há vinte anos com música brasileira na Alemanha, produzindo programas radiofônicos, proferindo palestras, fazendo letras de música, ou entrevistando músicos que vem excursionar pelos palcos alemães, enfim, conspirando pela música do Brasil.
Pois bem, resolvi ir ver o filme de Rogério Velloso. Três semanas de férias na minha cidade natal, três anos depois de nossa última vinda, e lá estava a película sobre Itamar ganhando as telas do cinema. Sorte a minha, né? O avião aterrisou na boa e agora essa!
O que Rogério Velloso fez com Itamar não se faz
Fui sozinho ver o documentário. Duas cervas num boteco perto da faculdade de Jornalismo em que me formei, ali mesmo na Praia de Botafogo, e lá fui eu pra escuridão, sujeito exigente, atrás de muito mais que prazer e informação.
»Daquele Instante em Diante« cumpre um papel protagonista nessa luta que é consolidar, em escala mais larga e definitiva, o legado musical de Itamar Assumpção. Um criador que passou 53 anos em constante aperfeiçoamento artístico, pelejando contra uma indústria em rota suicida (dela), brigando (ele) consigo mesmo e, o que é pior, com os melhores amigos, atordoado que era por tudo que ainda tinha para mostrar.
Rogério Velloso, incauto, pegou foi um pepino danado ao aceitar encarar o desafio de, em 110 minutos, arrumar de forma mais linear, quiçá compreensível, a saga do autor de obras-primas como »Noite Torta«, »Dor Elegante« (com Paulo Leminski), »Isso Não Vai Ficar Assim« e »Milágrimas« (com Alice Ruiz). Seria fácil derrapar naquele truque barato do roteiro mal transado, caótico, pra forjar vanguardismo num filme que aborda um personagem »descolado«, outsider. Rogério no entanto seguiu pela via intuitiva sem perder o rumo do que era realmente indispensável para contar de uma história tão cheia de conflitos. As imagens de arquivo recolhidas pela equipe são tão fartas e oportunas, que até os fãs mais assíduos do artista saem do cinema boquiabertos. Cenas raras, raríssimas, resgatadas para o bem geral da nação.
O diretor abriu o microfone para os parceiros geniais que Itamar teve como a luminosa Alice Ruiz e toda sua lucidez, o produtor e fiel escudeiro Paulinho Lepetit, o homem que traduziu no baixo tudo o que Itamar entendia de perseguição policial, mulheres, orquídeas, loucuras e feitiçarias jamaicanas, e Suzana Salles, que foi sua mais constante backing-vocal, além de dar a palavra a Arrigo Barnabé. E a família de Itamar também deu as caras, revelando características interessantes do artista no espaço doméstico. »Daquele Instante em Diante« abre alas também, claro, para o próprio Itamar disparar seus contundentes depoimentos, quase sempre em tom reivindicatório. Tata Fernandes, das Orquídeas do Brasil, grupo que acompanhou Itamar nos dois cd’s »Bicho de Sete Cabeças«, enfatiza no filme essa eterna disposição de Itamar em desancar alguns supostos caciques da música brasileira, característica superexplorada pela „grande“ imprensa para justificar o estigma de »maldito« que ela grudava em Itamar.
A película de Rogério Velloso é, a meu ver, o mais importante documentário sobre música brasileira lançado no país nos últimos dez anos. Não só por seus atributos técnicos, mas principalmente por revelar tanto de um compositor e cantor ainda tão desconhecido do grande público. O filme reinstaura a arte de Itamar Assumpção como fato extraordinário do nosso arraial cultural desde o lançamento de seu primeiro disco, em 1980.
Cinco anos depois da publicação dos dois volumes do songbook do músico, iniciativa que foi premiada pela APCA – Associação Paulista dos Críticos de Arte como o melhor livro do ano de 2006, »Daquele Instante em Diante« ergue novo monumento ao cabeça da Isca de Polícia, ao muso das Orquídeas do Brasil.
Que venham agora os dvd’s de Itamar, pois o melhor de sua arte eram mesmo os seus shows, pois nem álbuns maravilhosos como »Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Pra Sempre Agora« ou »Sampa Midnight« conseguem ser tão bons como o desempenho de Itamar e banda em seus concertos. Era uma teatralidade absurda, uma proposta musical visceralmente nova.
http://daqueleinstanteemdiante.tumblr.com/
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