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one love, one world

Que ninguém tenha dúvida sobre as intenções musicais de Bebel Gilberto, nem tampouco faça pouco caso do talento da artista diante das questões referentes ao seu posicionamento no Bebel Gilberto: All in Onemercado fonográfico. Sim, a filha do homem que incorporou como nenhum outro a filosofia Bossa Nova – o mitológico João Gilberto - , veio mesmo para brigar pelas melhores posições nos hit-paredes das rádios menos trash.

All in One, o quarto CD-solo da brasileira nascida em Nova York em maio de 1966, tem boas chances de obter destaque na mídia. Metade das doze músicas do disco foi composta pela própria Bebel, sendo que cinco delas com parceiros que vão de Carlinhos Brown a Didi Gutman, o tecladista argentino que toca na banda da chamada “garota de ipanema do século 21”, músico que também é integrante do grupo Brazilian Girls.

O que chama mais atenção neste novo trabalho é o repertório, que guarda curiosidades muito especiais. Uma delas é o fato de Bebel Gilberto gravar pela primeira vez uma música assinada pelo pai. A canção »Bim Bom«, que estava no lado B do primeiro compacto de João Gilberto (marco do nascimento da Bossa Nova, há 51 anos, e que trazia na outra face »Chega de Saudade«), ganha uma interpretação mais eletrizante de Bebel, que divide a faixa com ninguém menos que Daniel Jobim, neto de Tom, o outro grande ícone do estilo bossanovista. Se concordarmos com a artista quando ela se diz ser uma cantora  que tem a voz de sua mãe, Miúcha, então o novo registro de »Bim Bom« é o reencontro póstumo de Tom Jobim com Miúcha, já que Daniel canta mesmo muito parecido com o avô, e ainda por cima também toca piano.

All in One traz também uma brisa jamaicana muito oportuna com as faixas »Sun is Shining«, da lavra do poderoso Bob Marley do disco Kaya, e de “Port Antonio”, composta sob inspiração total da ilha caribenha. Enquanto que a primeira vem num arranjo audacioso, que troca o hipnotismo de Marley pela batida urbana de New York, com abertura que lembra a pegada emblemática do violão de Lenine, a outra, »Port Antonio«, é balada de amor que fecha um disco fadado ao sucesso comercial, uma faixa muito superior a »Secret«, que soa despersonalizada demais.

Além de Robert Nesta Marley, outra divindade negra que se faz presente no CD é Stevie Wonder, que tem a sua »The Real Thing« revisitada por uma Bebel Gilberto que sempre foi fascinada pelos dançantes anos 70. Admiradora de Michael Jackson e de Earth,Wind and Fire, a faixa enfatiza o sonho de Bebel dos tempos de menina de permanecer novaiorquina. Quem gosta também de Curtis Mayfield irá adorar: »Eu amo Stevie Wonder, e nesta canção especial dele eu tentei cantar de outro jeito. Minha versão soa nova e velha ao mesmo tempo. Ela não está presa ao tempo. Eu espero que nem nos próximos dez anos ela soe defasada«, afirmou a intérprete, no release distribuído à imprensa pela sua gravadora.

O melhor momento de All in One é a farra que Carlinhos Brown e Bebel Gilberto aprontam em »Chica Chica Boom Chic«, de Mack Gordon e Harry Warren. Produzida a seis mãos por Mário Caldato, Didi Gutman e Brown, a faixa é uma contagiante homenagem ao centenário daquela que foi a maior estrela brasileira nos dourados United States of America da década de 40: Carmen Miranda, a cantora e atriz que encarnou todo o exotismo que os norte-americanos inventaram como sendo »tipicamente brasileiro«. O fato do feiticeiro Brown  aparecer no álbum de Bebel com sua sapiência percussiva é mais um sinal do quanto Bebel é arisca. Ela já havia trabalhado com ele no polêmico Carlito Marrón, disco lançado em 2003 por Brown especialmente para o mercado hispânico, provando que a liga entre a dupla é mesmo quente.

Outro bom exemplo disso é a bossa »Nossa Senhora«, composta por Brown e Paulo Levita, onde Bebel solta toda a doçura de sua voz em gravação de voz e violão, ilustrada por ruidinhos eletrônicos. A eletrônica, elemento-chave na musicalidade de Bebel Gilberto, é empregada aqui com sutileza, realçando a natural sensualidade do canto da mais bem sucedida herdeira da Bossa Nova fora do Brasil.      

O fato de Bebel Gilberto estar cantando mais em português neste novo disco é também muito positivo. Sua arte ganha mais peculiaridade, se cantada no idioma dos brasileiros. A artista parece estar se convencendo cada vez mais disso.

Quanto ao fato dela estar compondo mais, é necessário observar que as letras não são o ponto forte da criatividade da artista. Suas duas composições mais bem feitas até hoje, »Mais Feliz« e »Preciso Dizer que te Amo« (com Dé) têm versos de Cazuza, o brilhante poeta amigo de Bebel, que infelizmente já partiu para as outras esferas.

All in One é um disco agradável do começo ao fim. Bebel está cantando bonito, como quem já percebe que já conquistou o seu lugar ao sol: nas belas praias de Manhattan.
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Felipe Tadeu (16.09.09)