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Felipe Tadeu é jornalista especializado em música brasileira, produtor do programa radiofônico Radar Brasil (Rádio Darmstadt). Radicado na Alemanha desde 91, o autor é também conhecido como DJ Fila. Na novacultura assina a coluna »o som do brasil«


 

 

Sesc - Vida longa para a música brasileira

Não dá para ficar de braços cruzados, esperando que o governo imploda com o Sesc.

Felipe Tadeu, 21.05.2008

, zuletzt modifiziert von nova cultura! am 28.03.2010 um 13:30

Um dos shows mais inesquecíveis da minha vida foi um de Gilberto Gil, realizado no palco do Sesc-Tijuca, no Rio de Janeiro, no dia dos reis magos, em janeiro de 1979. Acompanhado de uma banda cintilante formada por Pepeu Gomes na guitarra, Djalma Correia na percussão, Rubão Sabino no baixo, Mu nos teclados e Jorginho Gomes na bateria, Gil repetiu no Brasil o estrondoso sucesso que obtera meses antes no Festival de Montreux, na Suíça, espetáculo que rendeu um dos poucos álbuns gravados ao vivo que prezo com zelo de mãe.

O ginásio do Sesc ficou em polvorosa com a performance do baiano, que naquela noite estrelada na Tijuca apresentou ao público, pela primeira vez, sua tocante versão para »No Woman, No Cry«, de Robert Nesta Marley. Estávamos amargando uma interminável ditadura militar e, até então, nenhum reggae interpretado por artista brasileiro tinha estourado nas rádios. Gil, arisco, tratou de corrigir tal absurdo e
fez de sua »Não Chore Mais« um marco na década, como uma das canções da trilha-sonora da anistia política no Brasil.
Nelson Motta, que também esteve presente neste show na Zona Norte do Rio, escreveu em sua coluna jornalística de então: »Demencial, demencial! Mais uma vez o adjetivo favorito da coluna é acionado – e poucas vezes o foi com tal precisão – para designar o que foi o show que marcou a re-volta de Gilberto Gil aos palcos brasileiros (...)«. (O artigo era »Gil fala de presos, alegra e esperanceia na folia de reis«, de 10 de janeiro de 1979).


O Sesc-Tijuca já se tornara bem antes um lugar sagrado para mim. Ainda que o bairro em que nasci e morava tivesse uma das maiores rendas per capita do Brasil, era miserável em termos de opção cultural: nenhum teatro decente, só cinemas na Praça Saens Penha, que se limitavam à exibição do trivial da indústria norte-americana. Portanto, quando o Sesc foi construído lá, nos anos 70, – a poucos metros de um dos maiores centros de tortura da ditadura, o temível quartel do Exército da Barão de Mesquita – ele surgiu como verdadeiro monumento à cultura, num cantão provinciano do Rio de Janeiro.

Foi em seu teatro que assisti o primeiro show »profissional« de música. A banda underground de rock Flávio y Spirito Santo foi tocar na Barão, levando cenário psicodélico e tudo, que um cenografista cabeludo criava no decorrer da apresentação. Munido de um pires transparente colocado sobre um projetor de imagens, ele pingava gotas de líquidos das mais diversas cores que, ao se mesclarem, compunham um visual alucinante. Parecia que eu estava em San Francisco, e Vila Isabel era ali do lado.

Bem, por que lembrar desses acontecimentos aqui e agora? O motivo não poderia me ser mais caro, pois o governo brasileiro está querendo enviar ao congresso nacional um projeto de lei, que retira parte significativa dos recursos do Sesc. A medida, altamente discutível, pretende criar mais um fundo de financiamento de programas de formação profissional.

Conhecendo os congressistas que dispomos e tendo acompanhado os serviços que o Sesc desenvolve no plano sócio-cultural desde a década de 70, surge inevitavelmente em mim o receio de que o plano do governo federal faça ruir um »Brasil-que-dá-certo«.

Quem costuma freqüentar bons espetáculos culturais e conhece um pouco dos bastidores das artes, sabe que o Sesc faz muito mais pelo Brasil do que qualquer ministro da cultura. O Sesc oferece atividades culturais de alto nível a preços realmente populares, levando a arte às periferias de grandes urbes, abrindo espaço generosamente em sua
programação a artistas que ainda procuram se firmar na carreira, ou que estejam sendo sucateados pelo estúpido mercado do entretenimento.

Foi graças ao Sesc que pude conhecer na tradicionalista Tijuca o teatro impressionante de Bia Lessa e a fascinante música de A Barca do Sol, por exemplo. Lá assisti também, em meados dos 70, um recém-chegado Zé Ramalho da Paraíba, que pousava no Sul Maravilha a bordo de sua canção »Avôhai«. Ele, o menestrel do apocalipse, que tanto encantamento nos causou, com seus extraordinários cordéis musicais do começo da carreira. Lisergia sertaneja, universos paralelos.

Em São Paulo, o Sesc iria ainda mais longe. Primeiro com a transformação de uma antiga fábrica no bairro da Pompéia, no centro cultural mais importante do Brasil nos 80. Eu, carioca, ficava abismado com a modernidade dos paulistanos, que já eram muito mais privilegiados do que eu, por terem em casa um jornal como a Folha de São Paulo, que também entrou fundo na minha memória afetiva, por ter reportado magistralmente a campanha das diretas-já, em 1984. A
querida Paulicéia de Itamar Assumpção, que já era desvairada desde a farra dos seminais modernistas de 22, me comovia pela audácia de seu cosmopolitismo. Quase que pedi asilo à Capitania de São Vicente.

Hoje, em maio de 2008, morando na Alemanha há 17 anos, soube do abaixo-assinado que estão organizando pela internet contra a intervenção do governo no Sesc e em outras entidades do chamado Sistema »S« (Senai, Senac e Sesi). Não ponho a minha mão no fogo por nenhuma outra »S«, mas o Sesc, ao que ainda me parece, cheira bem, muito bem. Assinei o manifesto articulado por Danilo Santos de Miranda
— diretor regional do Sesc-SP, e espero ansioso e atento, que o governo do Brasil repense a redução de 33% da receita do Sesc, em nome de uma suposta garantia de acesso de alunos da rede pública a cursos profissionalizantes.

Eu me pergunto: seria a Cultura o reverso da Educação?

ATUALIZAçãO DA MENSAGEM: DANILO MIRANDA, DIRETOR DO SESC-SP, PUBLICOU CARTA NO SITE DA ENTIDADE, SUSPENDENDO O ABAIXO-ASSINADO, POIS O GOVERNO FEDERAL VOLTOU ATRÁS E JÁ ACENOU COM POSTURA MAIS DEMOCRÁTICA. VIVA A NOSSA MOBILIZAçãO!!! VEJAM O INFORME:

esclarecimento ao público

Caros amigos, parceiros e freqüentadores do SESC:


O Governo Federal, dando início a um processo de diálogo sobre suas propostas para as entidades de formação profissional vinculadas ao empresariado, formou uma comissão com representantes daquelas entidades e das confederações empresariais que as mantêm e administram.

A pauta de discussões dessa comissão exclui a proposta de retirada de parte dos recursos das entidades de serviço social e desenvolvimento cultural, como o SESC, o que leva a crer que essa ameaça já não existe.

Por essa razão, estamos interrompendo nossas ações de mobilização em defesa do SESC. A resposta calorosa que recebemos de parte de dezenas de milhares de pessoas de todos os segmentos da sociedade nos dá a segurança da justiça de nossa posição e do reconhecimento com que nosso trabalho é retribuído por todos aqueles a quem se dirige.

Os resultados desse movimento ficarão armazenados em nossos registros, como a melhor defesa possível contra quaisquer iniciativas contrárias à existência e à atuação do SESC. Da mesma forma permanecerão nosso profundo agradecimento a todos os que, numa hora difícil, responderam a nosso apelo, bem como nosso compromisso de desenvolver um esforço permanente para corresponder sempre mais e melhor à confiança, às expectativas e ao merecimento de nosso público e da sociedade brasileira em geral.

Danilo Miranda,
diretor regional do SESCSP

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