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Felipe Tadeu é jornalista especializado em música brasileira, produtor do programa radiofônico Radar Brasil (Rádio Darmstadt). Radicado na Alemanha desde 91, o autor é também conhecido como DJ Fila. Na novacultura assina a coluna »o som do brasil«


 

 

Sustos e ruídos

Ontem acordei com uma notícia que me deixou transtornado: Naná Vasconcelos, o grande mestre da percussão, fora internado às pressas na UTI de um Hospital em Olinda

Felipe Tadeu, 12.12.2007

, zuletzt modifiziert von nova cultura! am 28.03.2010 um 13:30

Ontem acordei com uma notícia que me deixou transtornado: Naná Vasconcelos, o grande mestre da percussão, fora internado às pressas na UTI de um Hospital em Olinda, com delicados problemas pulmonares, decorrentes de décadas e décadas de tabagismo. Perigo de vida, portanto.

Foi o suficiente para que minha cabeça começasse a trabalhar milhares de idéias e lembranças acerca deste músico extraordinário que ouvi pela primeira vez num álbum de Milton Nascimento, do ano de 1970, disco que tem uma belíssima capa assinada por Kélio Rodrigues, com a esfinge afro de Milton. A faixa era "Pai Grande", talvez a melhor composição do líder do Clube da Esquina em todos os tempos. Com letra e música de Bituca (Milton), a obra-prima ficou ainda mais monumental com a performance de Naná, que com sua tralha percussiva e suas intervenções vocais, deu caráter de ancestralidade africana a uma peça de contornos rurais baseada no interior do Brasil. É lindo, ouça.

O encontro de Milton & Naná em "Pai Grande" continua soando, 37 anos depois, como relatos de dois músicos negros nascidos no Brasil, que nunca perderam sua identidade cultural. Dois artistas magníficos, que ajudam um país tão esfacelado no plano da auto-estima, a se reconhecer em suas raízes de além mar. Digo o mar dos navios negreiros.

Naná Vasconcelos e Milton Nascimento fizeram, juntos, muitas coisas maravilhosas. Em "Raça", de autoria de Milton & Fernando Brant, lá estava o homem dos batuques homenageado nos versos de Brant, "atraca atraca que o Naná vem chegando...". Até Zumbi dos Palamares desceu para a festa.

Naná é um dos grandes mitos da música. Um homem que tocou com astros como Egberto Gismonti, Pat Metheney, e que atuou como vértice brasileiro no inesquecível trio (Don Cherry, Collin Walcott & Naná) instrumental Codona, que gravou três discos memoráveis pelo selo alemão ECM Records. A mesma gravadora por sinal que lançou títulos como "Offramp" do guitarrista norte-americano Pat Metheney, onde Naná rouba a cena na boa, tanto de Pat, como de Lyle Mays, o feríssimo pianista da trupe.

E o que dizer da atuação dele no disco "Estrangeiro", de Caetano Veloso? A canção que abre o álbum e dá nome a ele - "O Estrangeiro" - é Naná Vasconcelos em estado de êxtase. Fora o fato do percussionista pernambucano ter produzido o trabalho de estréia de uma das bandas mais especiais surgidas no Brasil nesta década, a Cordel do Fogo Encantado. Você conhece o disco?

Antes de Naná a percussão era a "cozinha". A partir dele, nossa casa toda.

(Agora, ao escrever esses pensamentos, sei que Naná já recebeu alta hospitalar. Os deuses sabem quem ele é).

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