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Felipe Tadeu é jornalista especializado em música brasileira, produtor do programa radiofônico Radar Brasil (Rádio Darmstadt). Radicado na Alemanha desde 91, o autor é também conhecido como DJ Fila. Na novacultura assina a coluna »o som do brasil«


 

 

Tom Zé - Perto da Praça das Luísas

O encontro se deu na Come Back, um point da música quente em Darmstadt.

Felipe Tadeu, 01.08.2008

Quando encostei minha bike e entrei na Come Back, uma loja de cd's, vinil, dvd's e posters de segunda mão aqui em Darmstadt, cheguei decidido (como um ponta-de-lança africano, né Jorge?) para comprar um disco de Tom Zé, que estava disponível nas prateleiras há umas semanas.



Era um disco que saiu no Brasil há dois anos, o "Estudando o Pagode - Na Opereta Segregamulher e Amor". Além de admirador do tropicalista - o mais iconoclasta dentre eles - sempre estive atento para tudo que Suzana Salles grava desde a época em que ela estrelava os backing-vocals de Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, os bardos da Vanguarda Paulista. No cd de Tom Zé, Suzana participa em seis faixas, o que aguçou total a minha intenção de comprar o disco. Pois bem, não perdi tempo.

Ao voltar para casa, pedaladas rua acima, percebi uma coincidência interessante: foi também comprando num sebo que David Byrne resgatou Tom
Zé do esquecimento a que tinha sido jogado no Brasil. O músico norte-americano relançou o baiano nos quatro cantos do mundo, fazendo uma coletânea muito bem transada como volume 4 da série "Brasil Classics", que o selo de Byrne, o Luaka Bop, pôs nas lojas. Em meados da década de 80, o talking-head entrara num sebo do Brasil e, vasculhando os tesouros empoeirados, encontrou o "Estudando o Samba", lançado em 1976. Byrne ouviu o disco, ficou louco por ele, e pôs a boca no trombone, salvando a vida do autor de "O Amor é Velho".


Um dia depois da compra, fui escutar o cd "Estudando o Pagode - Na Opereta Segregamulher e o Amor" cheio de curiosidade, até porque queria saber se Jair Oliveira, o produtor do álbum, tinha deixado Tom Zé fazer o que queria. Não gosto dos discos que Jair Oliveira lançou até hoje, tampouco curto os de Luciana Mello, irmã dele, que também participa do disco do baiano. Como o disco saíra no Brasil pela gravadora Trama - segundo domicílio de Jair Oliveira -, achei que a indicação do produtor pudesse ter sido determinada pelos chefes da casa, pois do contrário, não via muita liga entre a arte de Tom Zé e o trabalho de Jair.

Pois bem, maninha: caí do cavalo bonito. O disco do eterno tropicalista é um dos melhores títulos de sua carreira, e Jair Oliveira tem culpa nisso, assim como Luciana. É um manifesto de amor incondicional a todas as mulheres do mundo, uma opereta lúcida, destemida, apaixonada e, claro, caótica, que o artista de Irará desferiu contra os detentores do poder, os de dentro e os de fora do lar. É o acerto de contas definitivo com Lupicínio Rodrigues, um artista interessante, mas que se ralou no moralismo de seu tempo.

Não falo de demagogias, de feminismo barato, nem de marxismos assexuados, e sim de uma obra-de-arte excitada pela inteligência e pelo bom-humor, criada com a lábia de quem sabe das intrincadas diferenças que nos formam homens, mulheres ou muito mais que isso. Chega de dor de corno, de homicídio passional e escapadas exclusivas. E gozar sozinho é pouquinho.

Em "O Amor é um Rock", Suzana Salles empresta seus afinados agudos para potencializar versos que falam da incompatibilidade entre amor e gratidão na cabeça da grande maioria dos homens. No meio da canção, Suzana crava um punhal de guarânia no peito do malfeitor com "Meu Primeiro Amor", de Hermínio Gimenez, em versão abrasileirada de José Fortuna e Pinheirinho Junior (o nome dele é assim, juro!). Suzana gravara em 2004 um disco intitulado "Caipira" ao lado de Lenine Santos e Ivan Vilela, onde ela pinta e borda com um repertório caro à musicalidade brasileira, de um tal romantismo nosso escamoteado.



Já na faixa seguinte, no melhor momento do disco de Tom Zé, Suzana terça vozes com Zélia Duncan numa música que tem ares de Villa-Lobos, "Duas Opiniões". Um dueto perfeito de um disco que surpreende do início ao fim.



A Come Back fica a dez metros da Luisenplatz e está aberta de segunda a sábado, das 9 às 18 horas. Aos domingos ela fecha, pois os donos também transam.

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