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Cae70ano

 

 

Esse cara é o maior orgulho de Oswald de Andrade! Tarsila do Amaral também morria de ciúmes por ele, Caetano, e pintou o Abaporu num dia de fossa no solar, depois de vê-lo entrar no Cinema Olympia de mãos dadas com uma tal de Gal, uma gracinha que tava doida atrás de Caetano. Essa chegou a disputar o coração do poeta com Dedé, mas se perdeu no plano amoroso, os deuses trataram de recompensá-la, fazendo dela a melhor cantora do Brasil. O happy-end foi devidamente comemorado em Arembepe, numa festa que durará pra sempre.

Pois é, Caetano Veloso completa os 70. Impressionante a dimensão que sua obra ganha no passar dos dias. O autor de Terra talvez seja a referência mais moderna do Brasil no cenário internacional. Mas a fama nunca quis dizer mesmo nada. Caetano Veloso está aí porque é um gênio mesmo. Quem leu Verdade Tropical sabe da densidade do que estamos parlando. Caetano tem uma consciência absurda dos milagres da música popular brasileira e sabe descrever com precisão seus dotes mais íntimos. Ele nos comove por sua habilidade intelectual, sua liberdade de espírito, seu domínio inconteste da nossa língua portuguesa, seu visionarismo calcado em argumentos realmente sensatos, desses que incomodam ao ponto de nos comprometer à ação, à atitude. Sabe aquele papo dos bons costumes ?

Me lembro perfeitamente da primeira vez que uma canção sua me chamou a atenção. Meu pai, que trabalhava como gerente da Casa Garson numa loja no centro do Rio de Janeiro, me levou para o batente num sábado de manhã. Eu tinha doze anos, creio, e Caetano cantava uma música maravilhosa chamada „Felicidade“, que tocava toda hora na vitrola da loja de eletro-domésticos que meu pai gerenciava. E eu ficava apaixonado com a ternura melancólica que essa música me trazia. Me lembro que essa „Felicidade“ do Caetano era dos maiores sucessos radiofônicos das emissoras cariocas, e sempre que a ouvia em casa, no de pilha, eu parava tudo que tava brincando, para ir lá praquele outro mundo que já existia antes de mim. „Felicidade“, a composição mais bonita de Lupicínio Rodrigues.

O Tropicalismo e sua ordem-de-choque não chegaram até mim quando estava em vigência . Era pirralho demais, só gostava do Vasco e de Roberto Carlos. Mas foi só Caetano Veloso voltar do exílio imposto pelos verdugos, que as coisas tornaram ao lugar a que pertenciam. O disco Bicho, que minha amiga Denise tinha, era tão gostoso de se ouvir, com aquela Tigresa, e o baixão eletrizante de Odara, e de novo a melancolia em Alguém Cantando Esse álbum de 1977 também me encantava pela sua capa: pintada pelo próprio Caetano!

Não parei de ouví-lo, leio tudo o que ele pensa, desculpo suas besteiras no ato, e continuo me surpreendendo com ele, com suas músicas que me fazem pensar até quando não quero. Ele que é referência máxima dos brasileiros do meu signo (para os ingleses, Mick Jagger). E quando o vejo sessentão gozando virilidade e esculpindo a mulher como em Deusa Urbana, faixa do disco de 2006, fico sonhando ser assim quando o tempo me for mais longe. Já o álbum que ele fez com Jorge Mautner, Eu Não Peço Desculpas (de 2002) me apraz principalmente por vê-lo cantando „Lágrimas Negras“, do Mautner com Nelson Jacobina. Cara!

Leoninos gostam de se dar presentes. Eu diria que o maior deles, que Caetano se deu recentemente, foi de pegar Gal Costa pelas mãos e levá-la para os estúdios para gravar o „Recanto“, com repertório todo assinado por ele mesmo. O eterno provocador (há que suportar o autotune!), que dirige o evento emblematicamente ao lado do filho Moreno (afilhado dela), recolocou Gal Costa no lugar que sempre foi dela. Veja o show, compre e sinta o perfume!

Caetano Veloso: que o digam Glauber Rocha, Dodô e Osmar, Fernando Gabeira, Ney Matogrosso, Almodóvar, Peninha, Tárik de Souza, Suzana Salles, Zé Celso, Pina Bausch, Sonia Braga, Céu e até Lobão.

Eu vou ficar aqui, pirralho como nos meus doze daquele sábado.

Felipe Tadeu