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16.02.2010

Sangue, Amor, Chão …

Sofia Marrecas Ferreira: O Sangue da Terra O Sangue da Terra –  palavras que evocam imagens. E estas inevitavelmente se chocam com a imagem de uma jovem na capa do novo livro de Sofia Marrecas Ferreira.

Palavras: Sofia Marrecas Ferreira não abusa delas neste romance. Aplica-as escassamente, nunca acima do necessário, para traçar uma estória, cujos enfeites (ou recheios) acontecem quase exclusivamente na imaginação (ou memória) dos leitores. Com estes meios (já habituais para quem leu o romance anterior: Só por Amor) o livro desenvolve mais uma estória de amor(es), pessoas alienadas, distorcidas, à procura de realização e um chão para fincar os pés: Terra.

Tomasa, mãe solteira e amante de um fidalgo alentejano, Catarina, a sua filha, que toma o pai como »tio«, e só o reconhece como progenitor quando chega a herdar as suas terras no Alentejo. A mãe entretanto enlouquece com a morte do amado, e também ao saber que este nunca se separara da mulher, com quem tem outra filha – um caso tanto complicado como comum. Catarina, com vocação de artista, consegue afastar-se do ambiente humilde da mãe, mas – quase como dirigida por maldição – repete o seu drama amoroso, apaixonando-se por um homem casado. Este por sua vez procura, neste relacionamento, uma fuga de seu ambiente medíocro, burguês, e da mulher »chata« como a designa a própria autora.

Mas o leitor que não se engane: Por tão construída que esta trama pareça, pensando (e lendo) bem, ela reflecte processos e constelações terríveis, e muito comuns: em muitas vidas, relacionamentos, inúmeros casais. A devoção quase maluca (e finalmente manifestamente louca) de Tomasa ao amante que não o merece, a repetição deste erro pela filha, a (quase) impossibilidade de se escapar deste círculo vicioso, a imbecilidade do homem, o seu medo de escapar, de tomar responsabilidades, o seu desprezo da própria esposa, que por sua vez não o quer deixar –  tudo isto é dramaticamente normal, comum e conhecido. Um romance. A vida.

Nada muito complicado, até muito básico, como »Sangue« e »Terra«, mas incrívelmente difícil. É isto que leio neste romance. Melhor: É esta a imagem, a conclusão que o romance provoca em mim. Haverá outras leituras, certamente, pois os personagens nem sempre »evoluídos« no sentido literário, deixam bastante lugar para projecções e identificações. Leituras da eterna busca humana por realização, uma possibilidade de levar uma vida satisfatória, atingir equilíbrio emocional: o amor, sangue da terra. 

Michael Kegler
 


Sofia Marrecas Ferreira:
O Sangue da Terra.
224 páginas
Porto Editora, 2009